sábado, 10 de dezembro de 2011

QUALQUER COISA E ALQUIMIA

A crónica que adiante se publica, data de uma sexta-feira do dia 5 de novembro do ano de 1993.

Hoje, os políticos europeus não sabem sair da crise em que se meteram, em que nos meteram e em que meteram a Europa. Esta incapacidade prova-se pelo choro da ministra italiana. Parece que a resposa é essa: chorar, e chorar sobre leite derramado.

Na altura da escrita da dita crónica. o escriva já suspeitava que a coisa pudesse correr mal. Por isso, fazia figas para que tudo corresse bem. Há um medo visível, há essa suspeição, essa premonição, que parece emegir do texto da crónica e ficar a pairar à superfície em tiradas de cómico, de sem sentido, de ironia (...)

Às vezes, mais valia, a quem escreve, nunca ter razão.
Deixo-vos com a crónica e com a verdade do tempo todo que vem agarrado a ela.

QUALQUER COISA E ALQUIMIA

No princípio era a CEE. Depois perdeu um E. E gora é a União. É dela que vamos falar.

A união faz a força. Uma europa unida nunca mais será vencida. O europeu, pela União, está unido? Está, sim senhor.

Com a União acabaram as desuniões. Por exemplo, todo o alemão unido nunca mais será convencido...

Na União há os fortes, os menos fortes e os outros. Os alemães são os fortes. Os portugueses são os outros. No meio ficam outros, que são muitos. Mas, unidos, são todos fortes -- basta acreditar. S. Tomé não podia ser da União. Dos céticos não reza a história... da União.

Há portugueses que são pela União. Outros nem por isso. Há ainda os que só são adeptos de clubes de futebol, como, por exemplo, do União da Madeira. Lucas Pires é o porta-estandarte dos unidos, mesmo que lhe decepem as mãos.

Há muitas uniões: sindical, desportiva, columbófila, cooperativa, pecuária, clubística, pirotécnica... e de países.

A união de países é aquela união onde há mais uniões; e porque cada país da União tem muitas uniões, e como são muitos os países a ter uniões, a União tem muitas uniões. Deste modo, a União candidata-se, desde já, ao Guinness Book. E parabéns à União.

Já houve a União Soviética (que deu no que deu); há os Estados Unidos (que, qualquer dia, vamos ver o que vai dar) e outras uniões. Agora há esta: a União, que, como ainda é muito bebé, é ainda uma união, ou seja, uma união que ainda não pensa.

Com a União, nada mais é como foi, nada mais será como dantes. Com a União tudo muda: a Europa unida pula e avança; e o resto do Mundo a julga constelação colorida nas mãos de uma bonança. E cantemos todos a União. Os que quiserem, é claro, que à coisa das uniões ninguém é obrigado

Na União, como em qualquer união, são todos por um, um por todos. E nesta união, o que os une a todos e a cada um é o ECU.

A Europa unida pelo ECU será mantida! -- é o "slogan" possível.

O ECU é de todos, mas os alemães mandam mais no ECU que todos os outros unidos do e pelo ECU.

Viva o ECU! Mas viva, enquanto for ECU unido.

O pior é se um dia o ECU dá o berro, desune-se e lá vai a União do ECU.

Depois, será outro o "slogan": a Europa unida sem o ECU está... desunida!

É verdade: o princípio de qualquer desunião é a união. [...]

Quando entrarmos na desunião, toda a gente vai atribuir a culpa à União. Eu sei que já estão a pensar na Alemanha. Lá no fundo, eles são uns "desunieiros" que só gostam de uniões à moda deles. Aliás, como nós, com o cozido.

Entretanto, todo o bom português que se preze deve aproveitar ao máximo os benefícios da União. Até nem era má ideia que, no ano 2000, as cabras também tivessem as suas auto-estradas, no mínimo, vias rápidas, e com aquelas casas de pasto, todas muito à europeia, para que pudessem abastecer-se com qualidade e nível de vida.

Pela parte que me toca, vou fazer os possíveis para que o presidente de freguesia da minha aldeia seja um grego. E não me perguntem porquê.

Outra contrapartida que eu quero da União é escrever coisas destas no "Figaro" ou no "Financial Times".

Creio que não é pedir muito.

Viva a União!

(Fernando Hilário, "Última Página", Jornal de Notícias, 5-11-1993)

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