domingo, 20 de fevereiro de 2011

Que escola temos, que escola queremos


Se, no Estado Novo, como sabemos, a escola foi instrumentalizada com fins ideológicos, desse modo reduzindo o seu alcance formativo e científico, não é, todavia, a Democracia que lhe recupera o atraso de quase meio século, em que mergulhou – atraso que ainda evidencia, a par de outros males que foram surgindo.
 As reformas que vieram com o 25 de Abril de 74, não foram suficientemente profundas, nem a sua implementação viveu o tempo necessário para uma avaliação que permitisse ajuizar o que objetivamente era, ou não, adequado, e, portanto, o que interessava, ou não, mudar, e o que, eventualmente, poderia continuar.
A apetência do poder político pela Escola fez com que nestas quase quatro últimas décadas ela vivesse ao sabor da alternância governativa e dos ministérios da tutela, que foram introduzindo alterações avulsas, por um lado, para dar resposta imediata a carências detetadas, e, por outro, para ser como que a expressão ou a repercussão do conceito de Escola de tal ou tal ministro, entretanto, chegado ao poder.
A Escola apresenta, hoje, um modelo a partir do qual se foi pondo e tirando isto e aquilo, para implementação de medidas circunstanciais, introduzindo-se novas e, em alguns casos, retomadas estratégias, soluções, supostamente com fim à vista, e colando-se-lhe pedaços de outros modelos de Escola.
É uma Escola confusa, tremendamente legislada, estupidamente burocratizada, de muito corte e cose, de muita grelha, de muita reunite, uma babilónia de coisas perfeitamente esquizofrénicas…, uma Escola, dir-se-ia, inverosímil, à luz de qualquer tempo ou de qualquer conceito de Escola.
É, pois, uma Escola amalgamada e manta de retalhos, construída nos gabinetes do Ministério da Educação, cujo espírito de funcionalismo público parece ser o de produzir mais e mais legislação e debitá-la em Diário da República, manhã cedo, todas as manhãs, como se isso fosse indício ou mesmo sinal de uma salutar alvorada… Não é. Longe disso!
Uma Escola, portanto, que não é pensada, refletida, implementada e avaliada pelos professores, pois que a estes cabe apenas a tarefa (pouco meritória) de executar a Escola made in ME, e aos quais não resta, praticamente, nem tempo nem modo, para um gesto pessoal.
Pobre a Escola, onde todos, professores e alunos, sendo diferentes, se querem todos iguais. Pobre, porque, sobretudo, constitui o esbanjar da riqueza humana, ou seja, a sua diversidade, sendo esta, em múltiplos aspectos, a origem e o garante continuado do sentido da universalidade das coisas, do saber confrontado e do conhecimento esclarecido.
É, pois, também (ou, dir-se-á, sobretudo), uma Escola onde a individualidade do professor e a consequente riqueza da diversidade foram sendo esmagadas pela pobreza da conceção tecnocrata – fenómeno que ferozmente se instalou no ensino português com a regência da ministra anterior e que a escritora Isabel Alçada não pode ou não sabe desinstalar.  Mas, fenómeno perverso, que confunde sistema educativo com uma linha de montagem, onde o professor é igual ao outro professor e se rege (tal como o outro) por modelos prévios e impessoais, sustentados, consubstanciados por grelhas, fichas, onde só cabe o que, naturalmente, lá cabe, e, portanto, não legitima a diferença, pelo contrário, exclui-a ou até a penaliza (estigmatiza, discrimina), porque não a reconhece à luz do modelo utilizado.
Fenómeno perverso, claro que sim, pois que se confunde alunos com mercadoria, pois que não se olha a meios para atingir fins, pois que se privilegia o atingir das metas, os seus números e estatísticas, independentemente da qualidade a que se reportarão tais cifras. É um ensino – do dito regular, passando pelos processos de RVCC, dos cursos EFA, até ao ETP – que está aí, mais preocupado em trabalhar para a estatística do que para a qualidade intrínseca da formação e da aprendizagem dos seus alunos e formandos.
É uma Escola (ou é um conceito de Escola) míope, que vê o interesse imediato, hipotecando o futuro; que confunde alhos com bugalhos, como se ter o canudo de engenheiro, por exemplo, passasse pela circunstância, ou pela realidade, de se saber muito pouco, seja do que for, e, simultaneamente, saber muito pouco, de engenharia, ou seja, saber apenas o que está “agendado”, o que sairá nos testes e em exame. É, assim, uma escola que afunila o ensino e a aprendizagem, em função dos exames e em prol dos rankings que daí decorrem. É, pois, uma Escola que a si mesma se empobrece e que contribui pouco para o enriquecimento dos seus utentes, uma vez que, podendo dar mais (muito mais) do que dá, apenas dá aquilo a que a obrigam.  

A Escola Portuguesa haveria de ser aquela que fosse uma Escola Nossa, pensada, não ao estilo dinamarquês, ou qualquer outro, da ideia adquirida na leitura apressada de uma reportagem ou de uma visita ministerial, para satisfação de tiques ou de caprichos mais ou menos inconfessados ou insondáveis; sim, uma Escola pensada, equacionada, por aquilo que somos, Pessoas e País, para a efetiva inclusão e participação de todos, e onde todos haveriam de desempenhar o papel que, por estatuto social e profissional, cabe a cada um. Sim, uma Escola liberta de ingerências, de pressões, sem medos, sem fantasmas; isenta de quaisquer subterfúgios que lhe toldassem a verdade ou comprometessem os desígnios de promover a educação, o saber e a cultura em prol do bem individual e coletivo.
                                                                                            Fernando Hilário


PS
Devo confessar que pensei escrever sobre estes assuntos com a profundidade que eles merecem, enfim, citando especialistas, confrontando conceitos, ideias…, trazendo à argumentação a tese e a anti-tese, os exemplos abonatórios, etc., etc. Comecei a escrever as primeiras linhas, envolvi-me no discurso e não fiz nada disso. Escrevi dum folgo, com a paixão que tenho por estes assuntos, e o que saiu, saiu. Quando reli, ainda pensei reescrever para dar mais “formalismo” ao texto, às ideias, mas acabei por deixar tal e qual estava.

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