sábado, 8 de janeiro de 2011

O VALOR DA OPÇÃO

O CONTO DO HOMEM NA CHÁVENA DE CAFÈ

Um homem viu-se na chávena de café.
Não queria acreditar; por certo, sonhava; mas levou a colher ao fundo, trouxe-se para fora, olhou com atenção: era ele! Gesticulava, desesperado tentava dizer algo, percebia-se que gritava, mas tão pequeno era que não se ouvia.
Aquele homem era ele na chávena de café!
Incrédulo, voltou a pôr aquele corpo na chávena de café.
Porém, num terrível esforço, o minúsculo homem conseguiu agarrar-se ao bordo da chávena, e levantou uma perna… ia conseguir saltar, mas, com a colher, o homem empurrou-lhe o pé, uma mão, a outra mão e mergulhou-o novamente no café.
Durante algum tempo, impediu-o de emergir: mantinha-lhe a cabeça submersa; mas, num esforço titânico, o minúsculo homem esgueirou-se e agarrou-se à colher; tentava içar-se, aproximar-se dos dedos do homem, tocá-los. Mas o homem sacudiu a colher e fê-lo cair outra vez no café.
Não podia deixá-lo sair, descer ao pires, passear pela mesa...; alguém podia ver, não saberia dar explicações; e até lhe parecia ter já atraído a atenção do empregado e do casal que acabara de entrar.
Não lhe restava senão afogá-lo no café.
Tapou a chávena com o pires. Mas algum tempo depois, já o pires vibrava, tremia; e parecia-lhe que o pequeno homem acabaria por erguê-lo, deitá-lo por terra. Reforçou então o peso com o maço de cigarros e o isqueiro. Mas já temia que não fosse ainda peso suficiente. Lembrou-se do molho de chaves; tirou-as do bolso e substitui o maço de cigarros por elas.
Não tinha outra solução. Era impossível deixá-lo viver!
Pensava agora se já estaria afogado…
Espreitou: uma mão aberta desaparecia no líquido negro; algum tempo depois, o corpo boiava de costas.
O homem levantou-se, deixou uma moeda na mesa, e abandonou o café.

               
Fernando Hilário, “O Conto do Homem na Chávena de Café”, Histórias Exemplarmente Imperfeitas

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