sábado, 13 de novembro de 2010

O QUE HÁ PARA AVALIAR


                O modelo de Avaliação do Desempenho Docente (ADD) é um daqueles mimos da educação em Portugal, cuja génese se ficou a dever à ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues e que, de algum modo, Isabel Alçada dá continuidade. Objecto de muita contestação por parte dos professores, no início do ano lectivo de 2008-09, e das negociações sindicais, o modelo, ao perder a figura e o papel do Professor Titular, parecia ganhar um outro rosto, uma outra essência, mas o facto é que não ganhou.
Saiu de cena o Professor Titular, a quem, entre outras inconfessadas funções, cabia a “competência” de Avaliador dos professores do processo de ADD, nomeadamente das aulas observadas. Hoje, essa função é atribuída a um outro professor, mas provem igualmente duma arbitrariedade funcional. Só por mera casualidade, o professor designado terá formação ajustada para avaliar processos científicos e didáctico-pedagógicos dos seus colegas, pois é disso que se trata, apesar do eufemismo do modelo o denominar Relator. De facto, a este professor cabe avaliar o conjunto de dados e desempenhos, relacionados com o professor observado, e atribuir-lhe uma classificação.
A avaliação por pares, quando não circunscrita a um trabalho estritamente cooperativo, visando, tão-só, a troca de experiências e a mútua aprendizagem, fere princípios deontológicos, já que leva à diluição de estatutos, cargos e competências. Por outro lado, não garante o distanciamento e a objectividade, imprescindíveis a uma avaliação que se pretenderá séria.
A avaliação de professores deve decorrer de processos sistémicos, susceptíveis de avaliar o trabalho metódico, criativo e inovador, desenvolvido individualmente ou no âmbito de equipas pedagógicas. A avaliação com base em modelos tipificados tende a empobrecer as iniciativas inovadoras, a criatividade e a constante procura de novas abordagens de que os processos ensino-aprendizagem sempre carecem. Os modelos de avaliação baseados em grelhas pré-definidas impedem a observação e valorização das especificidades (de atitudes e desempenhos particulares, das características do ser e do fazer individual) que nelas não estão contempladas.
A Escola deve ser o lugar da diversidade, da salutar confrontação de valores e saberes e da constante reflexão sobre as novas abordagens e metodologias. A escola dinâmica, actual e interventiva, é incompatível, na essência e na forma, com modelos de avaliação burocratizantes, bizantinos, inexequíveis no tempo e no modo próprios, geradores de dispersão e perda de tempo, pouco claros nos seus pressupostos e objectivos e alheados dos reais interesses pedagógicos e científicos.


O MUNDO TODO NA CABEÇA
(conto inédito)


Com um pau riscava o pó do chão e no chão nascia um mundo de árvores, animais, folhas, flores, frutos e um rio e um céu limpo e uma ponte entre as margens e tudo. Mas levantou-se um vento que levou os desenhos do chão e o chão ficou de novo liso. Mas como tinha o mundo pintado na cabeça, se quisesse podia pô-lo outra vez no chão.
Sulcava a água do lago com um pau e a água deixava-se sulcar e animavam-se nela desenhos e mais desenhos, os seus e os que a água também fazia; mas a água guardava os desenhos, e breve era um espelho liso. Não tinha importância. Como tinha o mundo pintado na cabeça, se quisesse podia pô-lo outra vez na superfície imóvel da água do lago.
Só lhe faltava chegar ao céu.
Um dia, arranjou uma vara tão grande que chegou lá; e com ela pôs-se a riscar o céu.
Os riscos rasgavam de branco o céu azul; mas a cada risco branco o céu logo se fechava, e ficava um céu de azul liso. Mas como tinha o mundo pintado na cabeça, se quisesse podia pintá-lo outra vez no céu. Só lhe fazia falta uma vara que fosse grande. Guardou então a sua vara muito bem guardada, pois não é fácil encontrar varas assim tão grandes.
Quando a noite chegou, tinha a certeza que aquelas estrelas e aquelas nuvens mais a lua em quarto crescente eram as que ele tinha pintado. E adormeceu sobre uma pedra à beira do lago com o mundo todo na cabeça.

                                                                                                                  Fernando Hilário

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