sábado, 20 de novembro de 2010

MARAVILHA DE CÃO

                           

Quando a maquineta da Via Verde faz “pi”, eu sinto a mão do político a entrar no meu bolso. Nos descontos do meu vencimento, nos impostos que pago, no custo do que é essencial à vida…, também.
No tempo em que vivo, tenho a consciência plena de que a classe política não respeita a minha cidadania e que o tempo em que vivo é de uma fraude absoluta…
Obama elogiou o esforço de Sócrates para ultrapassar a crise: Obama elogia, afinal, o roubo de que somos vítimas.
Obama disse que “o Bo é o membro mais popular da Casa Branca”. Maravilha de Cão.

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Deixo-vos com um conto que escrevi para a Escrita de Mel e Água, do Jornal de Notícias, mas (creio) que não chegou a ser publicado.

                                              
                                                                              PERSONAGEM DE QUADRO

            Uma sala quase vazia: uma mesa redonda, duas cadeiras, um sofá velho, um quadro na parede e ele.
            Ele também já era velho. Passava muito tempo, sozinho, ali, naquela sala, a recordar o que fora a vida.
            Quase não comia.
A comida enjoava-o.
E dormia, quase sempre, ali, no sofá.
            A sua maior agitação era quando decidia ir até à janela do fundo da sala e ficar algum tempo a olhar a rua.
Mas não se pense que era grande a sala; não: a sala era uma pequena sala quadrada.
Parecia-lhe a ele grande, e muito distante do sofá a janela do fundo.
Mas não eram.  
            Outra agitação era ir à cozinha preparar qualquer coisa para comer; é: tinha que comer!
            E outra agitação era ir ao quarto de banho.
            Mas não se pense que as outras divisões da casa eram grandes e que distantes ficavam umas das outras; não: a casa, toda ela, era pequena; ele é que a achava grande, demasiadamente grande, e com as divisões muito distantes umas das outras.
            Às vezes, à casa vinha uma vizinha amiga para saber se fazia falta alguma coisa e conversar um pouco.
            Quando isso acontecia, falava ele tanto que se tornava maçador, e, às vezes, ou quase sempre, sem saber ao certo a razão, chorava.
            A vizinha, que tinha a sua vida, não ficava por lá muito tempo.
            Mas ficava algum. A ele, porém, parecia-lhe visita de médico.
            Duas vezes por mês, à casa vinha uma filha para trazer roupa lavada, coisas de comer e perguntar se fazia falta alguma coisa.
Quando isso acontecia, falava, tornava-se maçador e acabava por chorar.
A filha tinha a sua vida, e não ficava por lá muito tempo.
Depois, voltava ele a ficar ali, àquela casa entregue, entregue àquelas suas agitações…
            Mas um dia aconteceu uma coisa diferente. Ouviu ele alguém falar na sala, sem que, aparentemente, houvesse alguém na sala que fosse capaz de falar.
            De início, atrapalhou-se um pouco, sentiu até medo.
            Mas logo que percebeu quem falava, achou-se bem, ficou contente.
            E passou a sua vida a ser outra.
            É claro que continuou a casa a ter as divisões do mesmo tamanho e à mesma distância umas das outras.
            E é claro que a janela do fundo da sala continuava no fundo da sala, etc.
            Mas agora arranjara companhia, e quando vinha a vizinha visitá-lo, ele já tinha outras coisas para dizer, e não chorava.
Muito se ria a vizinha das coisas que ele lhe contava. E se não tivesse ela a sua vida, ficaria por lá muito mais tempo, a ouvi-lo falar das conversas que tinha com o velho do quadro.
Sim, a falar com o velho do quadro, que tão velho era quanto ele.

                                                                                  Fernando Hilário

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