sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A LÓGICA DAS MIGALHAS

Ficou aqui tempo bastante, creio eu, em exibição, sem mais nada que o perturbasse, o título das Histórias exemplarmente imperfeitas. Sei que houve um número simpático de leitores que aderiu ao meu apelo (“Leiam as minhas histórias”), sei que alguns gostaram, porque me deram conta disso, mas a maioria remeteu-se ao costumeiro grandessíssimo silêncio que estas coisas normalmente trazem. Gostava que as reações às HEI tivessem sido mais significativas, me trouxessem novas sobre o que fora a receção, produzissem mais ideias… Mas não me resta senão contentar-me com os efeitos reais produzidos, agradecer os que tiveram a amabilidade de ler, sobretudo, àqueles que, tendo lido, alguma coisa me disseram sobre o que leram e como leram. Todavia, as Histórias continuam à vossa disposição.

E, adiante, mudemos de assunto.

               
Também há uns tempos atrás, entre razão e ironia, deixei aqui expressa a ideia de que as dívidas, se são soberanas, não se pagam, ou, pelo menos, não se devem pagar ao jeito de quem transforma o país num miserável caloteiro, penhorando-se-lhe o corpo e a alma, para a voragem e gáudio dos onzeneiros.

“Não batam mais no ceguinho”, bem podia ser o título do filme português da atualidade, tendo como personagens protagonistas o País e o Governo. O guião é assaz simples, ainda que comovente: de um lado está o Governo e os seus simpatizantes, na obsessiva deriva, que uns identificam de bom aluno ou de tipo honrado e cumpridor, outros de teimosia de jumento, em querer pagar a dívida, e, do outro lado, o País inteiro a reclamar os danos que a empreitada, chamemos-lhe assim, provoca.   

Eu gostaria de acreditar nos desígnios humanos, patrióticos e históricos com que o Governo parece tomar a peito a boa governação do País e que esse, tal como apregoam, é o caminho. Gostaria, mas não posso, pois basta-me ver a miséria humana em que se encontram as inúmeras famílias portuguesas para perceber que esse não é seguramente o caminho… E essa não será, então, a política inteligente… e humana.

Nesta demanda, dir-se-ia esquizofrénica, do querer pagar a dívida a qualquer preço, os políticos no Governo têm descaracterizado o País pelo empobrecimento e delapidação das estruturas e das instituições sociais, culturais e científicas. Os próprios modelos conceptuais de ensino, saúde, justiça, prestação de serviços sociais e da organização e administração territorial têm sido alterados ao arbítrio do Governo e da maioria parlamentar que o sustenta, sem que, efetivamente, haja um indispensável contraditório que aconselhe ou desaconselhe as medidas tomadas. E isto pode parecer, mas não é um quadro de ficção: é a mais triste e condoída realidade (…)

As crises são, sempre, em último caso e para efeitos objetivos, da responsabilidade dos governantes e não dos governados. A estes últimos, e não a todos, caberá apenas, quando muito, uma responsabilidade moral.  

O sacrifício que se está a pedir aos portugueses, que os políticos transformaram em vítimas da crise que criaram, é tremendo: faz da sua existência um horrível e hediondo sofrimento, e deixará marcas indeléveis nas suas vidas.

Para além disso, parece-me um sacrifício a todos os títulos inglório. Para os atuais governantes, o país reduz-se à dimensão de um porquinho mealheiro que se engorda à custa da miséria das pessoas, sobretudo das mais carenciadas, ao mesmo tempo que a casa coletiva – Portugal, entenda-se – se arruína também.

Mas era bom que eu me enganasse.

Fernando Hilário

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